O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira (12) a favor da tese de que é crime deixar de pagar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) já declarado.
Após seis votos a favor dessa tese e três contra, o julgamento foi suspenso por pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do presidente da Corte, Dias Toffoli e deve ser retomado na próxima quarta-feira (18). Além de Toffoli, falta o voto de Celso de Mello.
Os seis ministros que formaram a maioria consideraram que essa dívida declarada, mas não paga por empresários, pode implicar processo criminal por apropriação indébita, com pena de detenção de seis meses a dois anos e multa.
Todos os seis entenderam que é preciso ser comprovado o dolo, intenção deliberada de não pagar o tributo (leia mais sobre os votos dos ministros abaixo).
O ICMS é um imposto estadual que incide sobre operações como compra de mercadorias (alimentos, eletrodomésticos, bebidas etc.) e está embutido no preço. É pago pelo consumidor na aquisição do produto ou serviço.
Embora o recolhimento possa ter sido declarado ao poder público, em alguns casos as empresas recebem e não repassam o valor ao tesouro estadual. O crime de apropriação indébita consistiria em cobrar do consumidor o valor do imposto, acrescendo ao preço final, e não repassar para a Fazenda Pública.
Segundo dados encaminhados ao Supremo, em 2018 a dívida declarada e não paga de ICMS em 22 estados era de mais de R$ 12 bilhões.
Tribunais no país vêm tomando decisões divergentes sobre a possibilidade de condenação criminal dos devedores. Por ser declarada, a dívida não conta como sonegação. Por isso, estados começaram a entrar na Justiça pedindo condenações.
A decisão do Supremo não deve ser obrigatória, mas deve servir de orientação para que as demais instâncias da Justiça analisem os casos.
O julgamento teve início nesta quarta com o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, e do ministro Alexandre de Moraes, para criminalizar a conduta; e do ministro Gilmar Mendes, contrário.
No recurso julgado, um casal de contribuintes de Santa Catarina alega ter sido alvo de ação penal. Para o relator, ministro Luís Roberto Barroso, a dívida poderia ser criminalizada se o devedor for considerado contumaz e agir com dolo.
Também votaram por considerar a conduta crime os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello foram contra.
Especialista questiona
Para o advogado criminalista Pedro Ivo Velloso, sócio do Figueiredo e Velloso Advogados e membro do Instituto de Garantias Penais, “a se prevalecer essa maioria, haverá uma criminalização excessivamente ampla de não pagamento de tributos”.
Segundo o especialista, a hipótese de prisão é “trivial” porque o crime prevê uma pena baixa, “mas é possível, a depender do número de condutas”.
Ele considera, no entanto, que “responder a uma ação penal já é algo extremamente danoso, pois gera estigmatização, na minha visão, indevida, porque a pessoa é vista como uma criminosa”, disse.
Para ele, trata-se de um “tiro” no empreendedorismo. “Um verdadeiro desestímulo. Vai ter que se analisar com muito cuidado para não se criminalizar a atividade do empresário”, declarou.
Votos dos ministros nesta quinta (12)
Saiba quais foram os argumentos de cada um dos ministros:
Luiz Fux – O ministro Luiz Fux foi o primeiro a apresentar voto nesta quinta, o terceiro por criminalizar a dívida. Segundo o ministro, números mostram que o prejuízo com a sonegação é maior do que a corrupção no país. Além disso, disse que empresas milionárias são devedoras. “Temos dificuldade relativa a necessidade de fundos para viabilizar o estado a atender essa promessa constitucional, direitos básicos, educação. Isso decorre da corrupção, vimos no mensalão, depois no petrolão, mas também por força da sonegação”, afirmou.
Edson Fachin – O ministro Edson Fachin foi o quarto ministro a votar pela criminalização da dívida, seguindo entendimento do relator, ministro Luís Roberto Barroso. Em seu voto, o ministro afirmou que a punição não ocorrerá pelo simples não recolhimento do tributo e caberá a cada juiz avaliar as hipóteses em que houve intenção de não arcar com as dívidas caso a caso. “A ausência de pagamento não denota apenas e tão somente inadimplemento, mas sim, disposição de recursos de terceiros, aproximando-se de uma espécie de apropriação tributária, aspecto que a meu ver fulmina o cerne das teses defensivas”, disse.
Rosa Weber – A ministra Rosa Weber também votou a favor de que a dívida seja considerada como crime, mas apenas na modalidade dolosa, e não culposa. “Eu entendo que o acórdão recorrido em absoluto revela constrangimento ilegal”, afirmou a ministra sobre o caso de Santa Catarina. “Concluo pela tipificação abstrata quando o contribuinte deixa de recolher no prazo legal”, afirmou. Segundo Rosa Weber, isso alcança “tanto aquele que retém na fonte tributo e deixa de recolhê-lo, como aquele que cobra como contribuinte de direito o valor dos tributos indiretos e possivelmente deixa de recolher aos cofres do titular”. “O delito não comporta a modalidade culposa”, completou.
Cármen Lúcia – A ministra Cármen Lúcia votou para criminalizar a dívida. Segundo a ministra, é necessária a comprovação da intenção de não pagar. “Não há neste caso nada que possa ser considerado como indevido ou ilegal ou que configure constrangimento”, afirmou a ministra.
Ricardo Lewandowski – O ministro Ricardo Lewandowski votou contra considerar crime esse tipo de dívida. “Não me impressionam os dados de que a Fazenda Pública estaria desguarnecida de instrumentos para cobrar os sonegadores”, afirmou o ministro. “Ela está plenamente aparelhada.”
Marco Aurélio Mello – O ministro Marco Aurélio Mello também votou contra considerar crime o não pagamento do ICMS declarado. Segundo o ministro, a Constituição Federal não prevê possibilidade de prisão por dívida para com o fisco. “Não cabe no caso para fixar-se um critério de plantão dizer da insuficiência de caixa”, afirmou o ministro.
Ministros que votaram na quarta (11)
Luís Roberto Barroso – Primeiro a votar, o ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que crimes tributários não podem ser considerados “de pouca importância”. Relator do caso, ele afirmou que esses crimes “privam o Estado brasileiro de recursos necessários para acudir as demandas da sociedade”. “Se o sujeito furtar uma caixa de sabão em pó no supermercado o direito penal é severo. Penso que quando há crime tributário deve ser igualmente sério. Tratar diferente furto da sonegação dolosa faz parte da seletividade do dinheiro brasileiro que considera que crime de pobre é mais grave do que crime de rico”, disse o ministro ao votar pela possibilidade de criminalizar a dívida. Para o relator, no entanto, é “imprescindível” que se demonstre a intenção de não pagar. “Se for capaz de demonstrar insolvência, não há dolo, por exemplo”, afirmou.
Alexandre de Moraes – Alexandre de Moraes concordou com Barroso. “Existem duas formas de se combater a sonegação fiscal: a brasileira e a correta. No Brasil, nem se pedir pra ser preso um sonegador vai conseguir . É mais arriscado jogar na roleta em Las Vegas do que sonegar imposto no Brasil”, disse Moraes. “Infelizmente, sonegar acaba dando bons resultados para a empresa”, completou Moraes.
Gilmar Mendes – O ministro Gilmar Mendes votou contra a possibilidade de criminalização da dívida. “A norma penal repele responder com tipo penal pagamento de divida. Só é permitido em caso de fraude”, destacou. “Num cotejo analítico, na qualidade de bem jurídico tutelado, a intervenção criminal só se justifica na medida que houver fraude pelo agente. Na falta de tal elemento, resta cristalino o vilipêndio da criminalização do mero inadimplemento”, considerou Mendes.
Fonte: https://g1.globo.com/
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